sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Projetos de Aprendizagem e Tecnologias Digitais

Projetos de Aprendizagem e Tecnologias Digitais


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Este artigo se baseia na palestra que dei na Feira Interdidática/2009 (São Paulo, de 07 a 09 abril), e no II Congresso de Tecnologia Educacional Aplicada à Sala de Aula (Brasília, de 02 a 04 de junho)  tratando da inserção das Tecnologias Digitais na educação por meio de Projetos de Aprendizagem.

Erros conceituais: Tecnologias Digitais (TDs) X Tecnologias Educacionais (TEs)

Para entendermos as razões que justificam a inserção das Tecnologias Digitais por meio dos Projetos de Aprendizagem é interessante que primeiro façamos uma pequena reflexão sobre as formas como as TDs têm sido inseridas na educação e as razões pelas quais essa inserção tem fracassado em muitos casos.
Os erros de implantação do uso pedagógico das TDs começa com os erros conceituais sobre o que é tecnologia e qual sua relação com a educação. O mapa conceitual mostrado a seguir tenta aclarar os conceitos de tecnologia, Tecnologia Digital (TD), Tecnologia Educacional (TE), bem como as relações e inter-relações entre eles.
Um mapa conceitual sobre as inter-relações entre tecnologia, tecnologia digital e tecnologia educacional.
Um mapa conceitual sobre as inter-relações entre tecnologia, tecnologia digital e tecnologia educacional.
Como podemos ver nesse mapa conceitual, tecnologia é um conjunto de técnicas, processos e métodos específicos de um dado ofício ou negócio. Tecnologia Digital é qualquer tecnologia baseada na linguagem binária dos computadores. Assim, quando pensamos no uso de tecnologias nas escolas não estamos falando simplesmente no uso de “aparelhos tecnológicos digitais”, mas sim no conjunto de técnicas, processos e métodos específicos para o ofício de ensinar!
Onde as TDs se inserem na educação nesse contexto? Elas se inserem da mesma forma que todos as demais tecnologias não-digitais, como a lousa, o mimeógrafo e o toca-fitas, como ferramentas auxiliares que potencializam as Tecnologias Educacionais (TEs).
Veja também que nesse mapa conceitual a relação entre as TDs e a Educação não é uma relação de mão dupla e que seus laços são frágeis. A escola que hoje convive com as TDs já viveu séculos sem elas e viverá muitos outros séculos com tecnologias que ainda serão inventadas. As tecnologias mudam, a escola se adequa a seu tempo e usa essas tecnologias, mas a escola não é uma aplicação da tecnologia em si.
É fundamental compreender que as tecnologias próprias da Educação, como a pedagogia, a didática, a prática de ensino e as diversas metodologias próprias de cada área do saber, não são substituíveis pela Tecnologia Digital ou por qualquer outra tecnologia. E embora isso nos pareça óbvio, não tem sido tão óbvio a ponto de que se evitassem diversos erros ao longo do processo de inserção das TDs na Educação.
Para efeito puramente didáticos podemos dividir esses erros de concepção, implementação e uso em três categorias básicas:
  1. Ideológicos: Foco na tecnologia e não na pedagogia. A escola se preocupa excessivamente em explorar o potencial das TDs e subestima sua Tecnologia Educacional (TE) própria.
    • O foco correto deve ser no processo de ensino e aprendizagem (currículo, metodologias, estratégias, etc.) e as  TDs precisam ser inseridas como ferramentas de apoio às TEs onde for cabível fazê-lo.
    • Esse erro de concepção levou a investimentos gigantescos em equipamentos que não foram utilizados (laboratórios de informática inteiros), ou foram subutilizados e hoje se encontram obsoletos em muitas escolas, sem manutenção ou uso.
  2. Estratégicos: Busca de atividades e projetos que possam ser desenvolvidas com as TDs. Pressuposto de que é preciso estabelecer projetos específicos para o uso das TDs.
    • O foco correto deveria ser a busca de TDs que facilitam o processo de ensino e aprendizagem e o uso da tecnologia para o ensino e não do ensino para a tecnologia.
    • Esse erro levou ao desenvolvimento de projetos e currículos que fracassaram ao ser implementados porque não se inseriram verdadeiramente no processo de ensino e aprendizagem.
  3. Práticos: Capacitações de professores para o uso de softwares e TDs. Compartimentação do conhecimento (TDs X TEs). Planejamento de aulas voltado para o uso de TDs.
    • O foco correto deveria ser a inclusão digital dos professores e alunos (uso efetivo das TDs nas atividades do cotidiano). Disponibilização de recursos e oportunidades e valorização da inovação que leva à melhoria da qualidade do ensino.
    • Esse erro levou milhares de professores a fazerem cursos e capacitações que se mostraram inúteis porque não resultaram em um uso efetivo das TDs nas práticas escolares e nem representaram um ganho significativo para professores e alunos.

Porque Projetos de Aprendizagem com Tecnologias Digitais?

Uma forma segura de evitar os erros discutidos acima consiste em procurar inserir as TDs em um contexto em que se disponha de
  1. Tecnologia Educacional comprovadamente eficaz;
  2. Estratégias conhecidas e vencedoras;
  3. Práticas eficazes e sustentáveis.
Tudo isso pode ser verificado no uso de Projetos de Aprendizagem (não confundir com Projetos de Ensino, onde preferencialmente se cometeram muitos dos erros estratégicos apontados acima). Os Projetos de Aprendizagem:
  • São Projetos Educacionais que possuem uma tecnologia educacional bem estabelecida.
    • Sabemos como e porque utilizá-los. Sabemos planejá-los e executá-los. Temos objetivos para utilizá-los e estratégias para conduzi-los. Tudo isso nos dá segurança para desenvolvê-los.
  • Permitem a ação de múltiplos agentes (interdiscilinaridade, transdiciplinaridade).
    • Isso nos permite atingir um número maior de atores potenciais para o uso das TDs e facilitam a aprendizagem colaborativa de alunos e professores.
  • Permitem o uso natural de diferentes TDs.
    • Projetos possuem várias etapas, várias atores e muitas ações simultâneas ou não. Tudo isso permite que diferentes recursos tecnológicos compareçam em diferentes momentos e situações. Projetos geram oportunidades de uso para as TDs.
  • São focados no processo e não nos resultados finais.
    • Aqui as TDs têm a característica natural delas: apoio ao desenvolvimento, à aprendizagem, ao “fazer”; são “instrumentos para potencializar as ações” e não objetivos em si mesmas. As TDs enriquecem o processo e não são objetivos finais.
  • Promovem a aprendizagem colaborativa.
    • É no “aprender a aprender” e no “aprender a fazer” que as TDs são aprendidas, e a aprendizagem colaborativa é fundamental para esses processos. Os projetos têm naturalmente a característica de aprendizagem colaborativa e permitem que não apenas os alunos aprendam colaborativamente, mas também os seus professores.
Todas as condições acima são favoráveis tanto para a inserção das TDs quanto para o sucesso do processo de ensino e aprendizagem que, ao fim e ao cabo, é o que se deseja em uma escola.

Como implementar as TDs nos Projetos de Aprendizagem?

Antes de se lançar à aventura de implementar as TDs nos Projetos de Aprendizagem, ou em qualquer outro projeto, é necessário ter em mente que precisamos:
  • Dispor de recursos tecnológicos (TDs) e facilitar o acesso a eles.
    • Não dá para levar classes inteiras para atividades em Salas de Informática com três computadores capengas. Não dá para implementar o uso das TDs com Salas de Informática trancadas com cadeado a maior parte do tempo, computadores quebrados e obsoletos e a necessidade de uma burocracia gigantesca para seu uso. É preciso ter bons equipamentos e acesso facilitado a eles.
  • Planejar a inserção das TDs nas diferentes atividades do projeto em função de sua utilidade e disponibilidade, visando sempre a melhoria da qualidade dos produtos ou processos.
    • Primeiro planejamos o projeto, montamos as seqüências didáticas, listamos as atividades, etc., somente depois nos perguntamos “o que eu posso fazer melhor se usar as TDs de que disponho?”. Propor a construção de um blog em uma escola onde a imensa maioria dos alunos não tem acesso à Internet tem algum propósito? Propor que os gráficos estatísticos sejam feitos usando-se uma planilha de cálculo quando nem o professor nem os alunos sabem como fazê-lo, têm algum ganho? Esse ganho compensa o custo-benefício da ação?
  • Documentar, relatar, analisar e registrar o uso das TDs e seu impacto nos Projetos de Aprendizagem.
    • Usar TDs é algo ainda novo e muito pouco documentado. Muitas ações envolvendo as TDs não surtem efeitos positivos. É preciso documentar e avaliar o impacto desse uso para a tomada de decisões para os próximos projetos. A própria documentação e análise do impacto do uso das TDs implica, muitas vezes, no uso dessas TDs (documentos digitados, planilhas, apresentações, etc.).
  • Compartilhar experiências e aprendizagens (reuniões pedagógicas, formações, dia-a-dia, etc.).
    • A forma mais rápida e eficaz de aprender a usar as TDs em uma escola é compartilhar o conhecimento que se tem delas e de seu uso. Não dispomos de tempo para “aprender tudo sobre um dado recurso antes de usá-lo”, o aprendizado se dá por etapas somativas, de forma colaborativa e geralmente por tentativa e erro.
  • Promover uma política de inovação constante, dar continuidade aos projetos e procurar envolver cada vez mais os diferentes agentes.
    • Equipamentos e softwares obsoletos e a falta de atualização sobre os novos recursos tecnológicos à disposição torna o uso das TDs desinteressante para alunos e professores. Que graça tem usar um computador velho e lento, rodando sobre um sistema operacional ultrapassado e que vive travando?
    • Que novas idéias surgiram nos projetos anteriores e que podem ser implementadas agora? Quais são os novos agentes, alunos e professores, que podem se interessar pelo uso das TDs? Como podemos seduzi-los?
  • Incentivar, valorizar, expor, divulgar e premiar as inovações que produzem bons resultados.
    • De que adianta um projeto ter feito uso produtivo das TDs se isso não for capitalizado como marketing para os próximos projetos e nem for divulgado para além dos muros da escola?
    • Porque um professor deveria usar novamente as TDs se isso não é reconhecido nem valorizado, nem mesmo quando tudo dá certo? Que valor tem um projeto esquecido, um esforço não reconhecido ou mesmo um fracasso não compreendido?
  • Repensar o modelo de professor para incorporar um novo perfil profissional: o perfil do “Professor Digital“.
    • O professor digital é o profissional que toda escola deseja ter, mas nenhuma deseja pagar. O novo perfil do professor demanda uma dedicação muito maior “fora da sala de aula” do que dentro dela. O professor digital tem o direito de errar, o compromisso de aprender sempre e a certeza de que nunca saberá o suficiente. Esse novo professor não é uma solução para os problemas da educação ou mesmo de sua escola e, além disso, traz consigo novas demandas que são muitas vezes compreendidas como problemas e não como soluções.
    • É preciso que a gestão da escola (e os gestores das políticas públicas) compreenda as necessidades desse novo profissional e viabilizem a sua ação.
A experiência que eu mesmo acumulei sobre esse tema, acompanhando os projetos de milhares de escolas que participaram do projeto Coisas Boas (Educarede/SEE-SP) nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007, me leva a crer que os Projetos de Aprendizagem reunem todas as condições para permitirem a inserção das TDs nas escolas de forma natural e produtiva, retirando delas o estigma que vem sendo alimentado em muitas escolas de serem “complicações extras e inúteis” ao processo de ensino e aprendizagem.

(*) Para citar esse artigo (ABNT, NBR 6023):
ANTONIO, José Carlos. Projetos de Aprendizagem e Tecnologias Digitais, Professor Digital, SBO, 04 maio 2009. Disponível em: <http://professordigital.wordpress.com/2009/05/04/projetos-educacionais-e-tecnologias-digitais/&gt;. Acesso em: 28-12-1012.
Desembargador. Conectado com o futuro.

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